Thursday, July 26, 2007

Canto

Enquanto me adornavas os braços
Num entrelaço de mãos e carne perfeito
Existia em ti um canto primaveril
Que nunca realmente se repetia da mesma forma
Segredo entreaberto na manhã clara, que não ousei perceber

De peito encostado e aprazível, como quem mendiga
Por uma flor da pele, por um alvor de madressilva
Foste esquecendo no chão os teus pertences
Esse mar de rumores ao qual nunca mais voltámos.
Nua te quero. Cantando para mim.

Não nos façamos esquecer

Não Esqueçamos o vazio que trazemos no peito para o combater
Não esqueçamos quantos somos e porque somos
nem as lágrimas que escondemos no nosso próprio leito
entre a vontade de ser e a sua irreversível desistência.
Ensinemo-nos a ser verticais, indomáveis
Feitos dos punhais que nos quiseram apontar
Feitos da fecundação dos factos e do sangue dos outros.
Não esqueçamos que somos nós os escravos como Spartacus
os fazendeiros das colónias do séc. XVI, os sovietes
os maias, os que morreram com fome, os entrincheirados
a reforma agrária e os latifundiários.
Ensinemo-nos a estar aqui de vez.
A não provir da passagem
de modo a que da memória ancestral
se faça um esquisso do que somosum mísero traste embriagado, tributável e mesquinho.
Sejamos as armas e os gritos de uma passagem
para o outro lado do rioem que se volta sempre sem se deixar para trás.
Não nos façamos esquecer.

Primavera dos corpos

De um desejo encrostado num ventre indiscreto
Entrançámos as pétalas cheirámos o pólen
Fertilizámos a terra, chegámo-nos perto
E iniciamos um rito na primavera dos corpos.
Em precipícios de sangue transformados em lava
Aconteceu um dia como um dado incerto
Da pele perscrutada pelo sórdido incenso
Desabrochou-se uma flor, na fúria do sexo.